O dia 20 de agosto jamais será esquecido pela
enfermeira Caroline Scheuer. As dores vieram pela manhã. Às 12h, contrações
fortes e às 17h20min, Kaila veio ao mundo. O parto foi totalmente natural e na
água. “Ela veio de forma maravilhosa. Meu marido foi quem a pegou primeiro e
logo depois a entregou em meus braços. Fico emocionada só de lembrar. Não há
palavras coerentes para descrever esse momento, creio que somente passando para
saber. Sei que quando a vi pela primeira vez eu experimentei o que é amor
incondicional, foi um momento de alegria e realização extrema”, conta Caroline.
Momento antes do nascimento da Kaila. Foto: Carol Dias. |
Emoção semelhante foi a da estudante de enfermagem
Stacy Gerlach. Por meio de um parto normal de cócoras, deu à luz a Heitor. “Foi
maravilhoso. O momento mais lindo da minha vida”. Ambas escolheram dar à luz do
modo mais natural possível. Sem intervenções como anestesias ou indução. No
parto natural, o médico simplesmente acompanha o parto. O ritmo e o tempo da
mulher e do bebê são respeitados. “No parto humanizado a mulher é a
protagonista do seu parto. Ela é quem manda, ela é quem faz o parto”, explica a
ginecologista e obstetra Roxana Knobel, médica de Caroline e Stacy. Ambas
também optaram pelo acompanhamento de uma doula, profissional que acompanha a
gestante antes, durante e depois do parto, dando suporte afetivo, físico e
emocional.
Heitor nos braços da mamãe Stacy sendo tietado pelo papai Rogério. Foto: Arquivo pessoal. |
Nessa reportagem especial, você vai conhecer os
benefícios do parto natural e ainda vai saber como profissionais como a doula
podem contribuir para que o momento seja ainda mais inesquecível.
Título 2 - Do
“desaparecimento” das parteiras aos altos índices de cesáreas
Foi no início do século passado que o desenvolvimento
do parto “industrializado” se tornou evidente. Aos poucos iam saindo as
parteiras e iam entrando os médicos. Em 1902, na Grã-Bretanha, a Lei das
Parteiras estabeleceu vínculos oficiais entre a profissão da parteira e a
profissão médica. Mas os motivos eram econômicos. As parteiras limitavam o
volume de negócios para os médicos.
Autor de vários livros e inventor de muitas
ferramentas obstetrícias, Joseph De Lee, renomado professor de obstetrícia
norte-americano, teve um papel fundamental no desenvolvimento do parto
industrializado. Em um artigo intitulado “O uso profilático do fórceps”, feito
em 1920, ele recomendou o uso rotineiro do instrumento e a episiotomia - incisão efetuada para
ampliar o canal de parto e prevenir que ocorra um rasgamento irregular durante
a passagem do bebê - em todos os partos.
O tratado De Lee teve tanta influência nos Estados Unidos que na década de 30 a
obstetrícia profilática já tinha se tornado norma.
Atualmente, mais da metade dos bebês brasileiros nascem
por meio de cesarianas. Índice bem acima do recomendado pela Organização
Mundial de Saúde (OMS), que é de 15%. No país, 52% dos bebês vêm ao mundo por
meio da cirurgia.
Título 3 - O
parto natural e os seus benefícios
Roxana Knobel atua como médica há 20 anos e sempre
apoiou o parto normal vaginal. O contato com a concepção do parto humanizado se
deu há aproximadamente 13 anos. Desde então, a obstetra tem reaprendido a intervir
o menos possível nos partos. “Toda intervenção tem um preço, e, geralmente,
leva a outras intervenções”, afirma.
“Toda intervenção no processo natural do nascimento deve ter uma boa justificativa, baseada em pesquisas científicas bem feitas”. (Roxana Knobel)
De acordo com a especialista, no parto humanizado a
mulher é a protagonista. “A equipe de assistência está lá para ajudar, apoiar e
intervir em caso de necessidade, mas é a mulher quem manda”, explica. Além de
dar liberdade à futura mamãe, o parto natural também é mais seguro e diminui a
possibilidade de complicações para a mãe e o bebê. Além disso, possibilita o
contato imediato da criança com a mãe, o que facilita o vínculo e o
aleitamento. Outro benefício é a possibilidade de proximidade do pai durante o
parto.
Conforme a obstetra, optar por um parto humanizado é
também mais seguro. “Uma cesariana implica em mais riscos para a mãe e para o
bebê. Risco de hemorragia, de ficar na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e de
usar antibióticos. Optar por um parto humanizado, onde a fisiologia do processo
e o tempo são respeitados, é o ideal”.
Título 4 - Quero
parto natural, o que faço?
Segundo a obstetra Roxana Knobel, por ser a cesariana
um processo mais prático, não são muitos os médicos que se dispõem a realizarem
partos humanizados. Deixar de lado o que aprendeu e sempre fez e mudar anos de
prática são as causas da dificuldade encontrada por algumas mulheres na hora de
encontrar o profissional adequado para o parto que deseja.
O jeito é ter paciência e pesquisar, como fez a
estudante de enfermagem Stacy. “Pesquisei muito a respeito. A primeira obstetra
que consultei nem me perguntou que tipo de parto eu queria, e quando eu falei
sobre parto normal ela se limitou a dizer que era muito cedo para que eu
pensasse naquilo. A partir daí comecei a procurar obstetras com baixa taxa de
cesáreas, o que é procurar agulha no palheiro”, conta. Ao entrar no blog de sua
doula, Stacy encontrou uma referência ao nome de Roxana e após ouvir um
comentário de que a médica mais parecia uma parteira, tomou sua decisão.
Segundo Roxana, há restrições quanto ao parto
humanizado, mas são poucas, por exemplo, se a placenta estiver na frente do
bebê no canal de parto. “A maioria das indicações de cesariana no Brasil não
são indicações absolutas e as mulheres poderiam ter parto natural”, afirma.
Cordão umbilical enrolado no pescoço também não é motivo para cesárea conforme
a especialista.
No parto natural, a mulher fica na posição que
considera confortável. A água, de acordo com a obstetra, ajuda a relaxar e
diminui a dor, além de ajudar a relaxar o períneo na hora do bebê sair, mas
algumas mulheres não querem ou não podem ter o parto na banheira, diante disso,
escolhem se preferem de cócoras, ajoelhadas, deitadas ou abraçadas ao marido.
Os pais que optarem por um parto humanizado devem se
informar e procurar uma equipe que atue em partos assim perto da sua cidade.
“Aconselho as pessoas interessadas a se informarem muito sobre o que desejam e
o que podem conseguir. Grupos de apoio ao parto normal e grupos virtuais podem
ajudar a encontrar a melhor forma de conseguir um parto humanizado”, orienta a
especialista.
Título 5 - As
doulas e o seu importante papel
As doulas fornecem um apoio essencial para os casais
durante a gestação, no parto e nos cuidados iniciais com o bebê. Estudos
mostram que a presença de uma doula aumenta a satisfação com o parto e a chance
de parto vaginal espontâneo, sem necessidade de instrumentos ou até mesmo a
cesárea. “A doula só ajuda durante o trabalho de parto. Deixa a mulher mais
confiante e segura e a incentiva a passar pelo processo do parto, que pode ser
longo e dolorido”, relata a obstetra Roxana Knobel.
Doula há dois anos, Cristina Melo se dedica
exclusivamente aos partos. Formada no Grupo de Apoio a Maternidade Ativa
(GAMA), de São Paulo, também é técnica em enfermagem e já acompanhou cerca de
80 partos. “É incrível. Você cria um vínculo, se torna quase da família e acaba
conhecendo os medos e desejos da gestante melhor do que ninguém. Na hora do
parto você sente que precisa fazer tudo o que está ao seu alcance para que a
mulher tenha a experiência que tanto deseja. Ver esses sonhos se tornando
realidade e poder estar presente nesses momentos é um privilégio”, afirma
Cristina.
Privilégio para Cristina e segurança para Stacy, que
teve sua gestação acompanhada pela doula. “Antes mesmo de o Heitor nascer ela
estava sempre à disposição para tirar dúvidas, orientar. Conversávamos muito em
nossos encontros e isso formou um elo de confiança. Quando chegou a hora eu
estava tranquila. Ela ajudou inclusive o meu marido. Fez com que ele perdesse o
medo de participar ativamente, o que tornou o momento maravilhoso”, lembra.
A doula Cristina, a mamãe Caroline e o papai Bruno, o primeiro a segurar
Kaila. Fotos: Carol Dias. |
Caroline, que também teve Cristina como sua doula, é
só elogios. “É a voz quando a mulher precisa ouvir, é a mão que conforta. Com
certeza meu parto não teria todo o sucesso que teve se eu não tivesse ao meu
lado uma doula”.
Os benefícios de ter uma doula
Estudos mostram que ter uma doula
pode:
·
Diminuir
em 50% as taxas de cesárea
·
Diminuir
em 20% a duração do trabalho de parto
·
Diminuir
em 60% os pedidos de anestesia
·
Diminuir
em 40% o uso da oxitocina (hormônio geralmente utilizado para começar ou
acelerar o trabalho de parto)
·
Diminuir
em 40% o uso de fórceps.
*Texto: Elizangela De Bona.
*Fotos: Arquivo pessoal e Carol Dias.
*Matéria publicada em novembro de 2012, na revista Meu SUL.
*Algumas informações podem estar desatualizadas.